Hoje eu vinha dirigindo uns bons quilômetros
pela BR-101 e cá pensando com os meus botões: direção defensiva, motorista
defensivo, mas será que existe um motorista perfeito?
Conheço muitos motoristas chamados de "cricas",
sinônimo de CDF do trânsito, de cara chato, exigente, porque não descuidam da
segurança no trânsito nos mínimos detalhes, tipo: não sair com o carro enquanto
algum passageiro estiver sem o cinto de segurança, não permitir que atirem papel
de bala e outros objetos pela janela, porque não aceleram no sinal amarelo, ou
até mesmo porque param para um único pedestre quando atrás dele não vem nenhum
carro.
Conversando com uma amiga hoje ela levantou esse
questionamento: "mas será que tem motorista perfeito?", daqueles que cumpre o
código à risca.
Papo vem, papo vai e chegamos a um consenso: não
existe motorista perfeito por mais que ele cumpra do primeiro ao último artigo
do CTB, mesmo porque, antes do CTB, o motorista tem que cumprir com o código de
conduta voltado para a segurança do trânsito.
Eu, quando sinalizo com a seta
para sair ou entrar numa vaga não é porque o CTB manda que faça; é porque eu sei
que a comunicação por sinal luminoso é a única forma de eu me comunicar com o
outro motorista e deixar claras as minhas intenções no trânsito. Código de
conduta voltado para a minha segurança e a do outro que, por consequência, leva
ao cumprimento do CTB.
Quando eu não estaciono numa vaga de idoso ou de
deficiente não é porque o CTB ou a lei da acessibilidade manda; é porque faz
parte do meu código de conduta respeitar as outras pessoas e os direitos das
outras pessoas. Por tabela, por via reflexa, eu acabo respeitando o
CTB.
Quando eu paro na faixa de pedestres é porque eu
também sou pedestre e gostaria que o motorista me desse a vez de atravessar com
segurança na faixa, sem risco de ser atropelada.
Quando eu cedo a vez para alguém no trânsito é
porque, em primeiro lugar, eu vejo aquela pessoa em dificuldades e penso que
quando eu estiver em dificuldades para sair de um cruzamento, de uma vaga, de
uma via movimentada, alguém vai fazer a gentileza de me deixar sair do enrosco.
Ou, porque vejo que um motorista estressado está com pressa e pode jogar o carro
dele na frente ou contra o meu de forma imprudente e eu não quero provocar
acidentes ou contribuir para que sejam provocados.
Eu respeito a sinalização da via não porque o
CTB manda, mas porque meu código de conduta como pessoa e como motorista é que
orienta as minhas ações dentro e fora do carro. Porque eu tenho um compromisso
existencial com a segurança no trânsito, com o modo de dirigir cautelosamente,
sempre me antecipando aos perigos da via, ao risco que os outros motoristas
assumem.
Uma pessoa que corta a frente de outra com seu
carrinho no supermercado vai fazer isso no trânsito.
Uma pessoa que fura a fila do banco, tem tudo
prá ser o motorista que vai trafegar pelo acostamento, colocando pedestres e
ciclistas em risco.
Uma pessoa sem tolerância para com os erros dos
outros não vai ter tolerância, nem paciência, nem vai ser solidário no trânsito.
Não existe motorista perfeito, uma lambancinha,
por menor que seja, todo motorista, por mais cuidadoso que assuma ser, vai
acabar fazendo no trânsito. Mas a diferença é o que vamos com isso; o que vamos
tirar de positivo, de aprendizagem, com os nossos erros.
Seja aluno de autoescola/CFC, seja motorista
habilitado, se tomar para si a atitude de se cobrar, de não se permitir erros,
de ser cruel consigo mesmo, de se punir por um erro, não irá muito longe. Somos
humanos, somos sujeitos a falhas, somos sujeitos a erros. Mas o melhor de tudo é
que aprendemos com os nossos erros.
No trânsito faça tudo com calma, sem pressa, sem
perfeccionismo. Direção defensiva é isso: é dirigir atento, é desconfiar das
intenções de qualquer pessoa no trânsito, é se antecipar ás próprias falhas e às
dos outros, mas não fazer dessas falhas um cavalo de batalha caso elas ocorram.
Direção defensiva é compromisso existencial com
a segurança, é respeitar o outro, saber esperar a sua vez, saber ceder a vez, a
preferencial.É ser paciente, é ser tolerante, é evitar dores de cabeça
desnecessárias, é dirigir de cuca fresca.
Ser legal no trânsito é uma coisa dúbia, afinal,
o que ser legal? É dirigir respeitando as leis? Ou dirigir respeitando o código
de conduta e as regras de convivência pacífica em sociedade?
Um cidadão pode me dizer: "esse carro é meu,
essa CNH é minha e eu dirijo como eu quiser". Mas esse cidadão tem que entender
que o carro é dele, mas a CNH é uma concessão do Estado para que ele possa
dirigir um automóvel. E esse automóvel roda numa rua que é pública, de uso
compartilhado, roda no espaço compartilhado do trânsito, que fica dentro de uma
cidade, que fica dentro de um país, que pertence a uma sociedade que precisa de
regras mínimas de convivência.
Não, condutores. Não existe motorista perfeito e
nem vai existir.
O que existe são cidadãos conscientes,
motoristas que respeitam a própria vida e a dos outros, cidadãos éticos, que
sabem que são livres para agirem como quiserem desde que não firam os direitos e
a vida das outras pessoas, mas que serão eternamente prisioneiros das
consequências do modo como dirigem.
Está aqui um vídeo que nos faz sentir muito bem,
orgulhosos de fazermos o que tem de ser feito. Que nos faz sentir mais humanos
dentro e fora do carro. Vale a pena assistir.
E como não custa nada ser bacana, ser humano e se sentir humano por nossas ações, vale a pena conferir esse outro vídeo aqui.
Na vida ou no trânsito, basta que sejamos nós mesmos, procuremos melhorar sempre, fazer o bem, sermos éticos, sermos o tipo de pessoa que gostaríamos que os outros fossem com a gente.
Não seremos perfeitos nunca. Nem como pessoa nem como motoristas. Mas, tenham certeza, que estaremos mudando muita coisa à nossa volta. E para melhor. Vamos tentar?